Estudos que avaliam aplicação de vacinas contra a Covid-19 já mostram bons resultados contra a pandemia

RIO — Os estudos que avaliam o êxito das vacinas aprovadas contra a Covid-19 na população, a chamada fase 4, já começam a apresentar resultados significativos— inclusive no Brasil, onde o início da vacinação completa cinco meses na quinta-feira, dia 17. A conclusão destas pesquisas pode levar ao menos dois anos, mas os dados obtidos até agora são animadores e evidenciam o impacto positivo da vacinação. Mas há problemas que prejudicam a avaliação, especialmente no caso brasileiro, como problemas de operação, com aplicação de doses de vacinas diferentes na mesma pessoa, e indivíduos que não voltam para tomar a segunda dose.

— Fase quatro engloba todos os estudos realizados pós-aprovação — explica Guilherme Werneck, professor do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ.

Isso inclui estudos de farmacovigilância (que investiga efeitos adversos da vacina) e pesquisas que analisam a efetividade dos imunizantes na contenção da pandemia, com redução da mortalidade. É o caso, por exemplo, da pesquisa que indicou o sucesso da vacinação com a CoronaVac, em Serrana (SP), onde os casos de Covid-19 despencaram.

A responsabilidade de coleta de dados é compartilhada entre o Ministério da Saúde, a Anvisa, os laboratórios farmacêuticos, grupos de estudo independentes e da população, que pode entrar em contato com os citados acima. Mas cabe aos laboratórios elaborar os protocolos de farmacovigilância de seus produtos.

Monitoramento global

O uso de vários tipos de vacina, com intervalos diferentes entre as doses, traz uma dificuldade operacional extra para a fase quatro, salienta a infectologista Cristiana Toscano. “Mas tudo isso pode ser superado”, diz ela, única brasileira e representante da América do Sul no Grupo Estratégico Internacional de Especialistas em Vacinas e Vacinação da OMS, que avalia os resultados da vacinação no mundo e faz recomendações sobre os imunizantes.

— A análise é um processo dinâmico, mas temos observado que os efeitos adversos são mínimos e os benefícios, imensos — diz Toscano.

O grupo da OMS, que se reúne três vezes por semana, monitora estudos de vacinação e também trabalha com modelos matemáticos de projeções.

— Todos devem colaborar informando sobre efeitos adversos inesperados. Com ênfase em “inesperado”: sem motivo, as pessoas andam com medo de sintomas que estão dentro do previsto e não têm maiores consequências — frisa Toscano, que há 20 anos trabalha na contenção e prevenção de epidemias, é professora do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás e representa o estado na Sociedade Brasileira de Imunizações.

Os sintomas esperados são dores no local da aplicação, dores no corpo e na cabeça, febre, cansaço. Podem durar até 72 horas. Entre 10% a 20% dos vacinados podem apresentar esses sintomas, que desaparecem sem causar problemas e não devem ser motivo de alarme.

Por outro lado, Toscano rassalta, se houver suspeita de efeito adverso não esperado, “é normal” suspender o uso de um imunizante. Foi o que ocorreu em março quando alguns países europeus interromperam a aplicação de doses da AstraZeneca em pessoas com mais de 60 anos.

— Com a dúvida sanada, a vacinação é retomada — diz a infectologista.

O objetivo de todas as vacinas é impedir o agravamento da Covid-19, reduzindo hospitalização e morte. Mas há indícios de que as vacinas da Pfizer/BioNTech e da AstraZeneca/Oxford podem também inibir a transmissão do coronavírus.

O mais recente deles foi publicado sexta-feira pela revista Nature Medicine: em Israel, que tem uma das maiores taxas de imunização do mundo, a vacina da Pfizer diminuiu a taxa de infecção pelo Sars-CoV-2 na população com menos de 16 anos, ainda não vacinada. O estudo, realizado entre dezembro e março, foi considerado encorajador, embora mais pesquisas precisem conirmar esses resultados.

Questões em aberto

Há muitas questões que a ciência ainda não sabe responder sobre a Covid-19 e que a fase quatro pode ajudar a elucidar. Por exemplo: quanto dura a imunidade oferecida pelos imunizantes? Qual o risco de infecção por novas variantes entre vacinados? Deve-se aplicar uma terceira dose?

No Brasil, onde três imunizantes estão em uso neste momento (CoronaVac, AstraZeneca e Pfizer) têm se multiplicado os casos de pessoas que, por erro, tomam a primeira dose de uma vacina e a segunda de outra. Em países europeus, a combinação tem sido recomendada e investigada.

Segundo Toscano, dois estudos recentes sugerem que tomar uma dose da Pfizer e outra da AstraZeneca proporciona uma resposta do sistema imunológico tão boa quanto tomar duas doses da mesma vacina. Porém, há uma ligeiro aumento de risco de efeitos adversos moderados. Não existem ainda dados publicados sobre combinações com a CoronaVac.

Miriam Tendler, pesquisadora de vacinas há mais de três décadas, observa que é usual que as recomendações sobre combinações de imunizantes ou número de doses mudem em função das observações feitas após a aprovação do produto:

— Quando a vacina da catapora foi lançada, na década de 90, o recomendado era uma dose. Depois, se viu que era preciso uma segunda dose. É normal e também para isso serve a fase quatro.

Líder dos estudos que levaram ao primeiro imunizante contra a esquistossomose do mundo, Tendler está muito mais preocupada com as pessoas que não voltam para tomar a segunda dose. Ela enfatiza que mesmo quem perdeu o prazo deve ir ao posto tomar sua segunda dose:

— Dose de vacina não é perdida. A vacina induz memória imunológica. A pessoa será protegida. O perigo só está em não tomar a segunda dose.

Guilherme Werneck diz que a população também não deve se deixar alarmar pelos casos de pessoas que contraem Covid-19 após tomar duas doses do imunizante contra a doença.

— Em sua maioria, esses casos não são graves. Mas pode acontecer e só poderemos avaliar agora que a população começa a ser vacinada — explica Werneck, integrante do comitê científico que assessora a Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro. — Precisamos saber, por exemplo, qual o percentual de pessoas com duas doses internadas com Covid-19, e isso para cada um dos imunizantes. Os estados fazem esse tipo de acompanhamento, são pesquisas de vigilância locais.

Mesmo com questões em aberto, há algo que independe dos resultados da fase 4 e que os cientistas são unânimes em afirmar: é preciso intensificar as campanhas de informação.

— É preciso que todos entendam: as três vacinas em uso no Brasil são seguras e, tomar suas duas doses é fundamental — diz Toscano.

FonteAna Lucia Azevedo