Caso Moïse: PM que nega ser dono de quiosque assinou documento como responsável pelo espaço em 2020

Após o depoimento do policial militar Alauir de Mattos Faria à Delegacia das Homicídios da Capital (DH) – que investiga o assassinato do congolês Moïse Mugenyi Kabagambe, espancado até a morte na Barra da Tijuca –, o advogado do cabo, Lennon Lopes Ribeiro Corrêa, negou que o cliente fosse proprietário do Quiosque Biruta, espaço que divide estrutura com o Tropicália, onde o refugiado sofreu as agressões. Contudo, a papelada anexada a um processo que a Orla Rio, concessionária responsável pelos quiosques cariocas, move na Justiça para tentar recuperar o controle do estabelecimento contradiz a versão apresentada pela defesa do PM, de que ele apenas auxiliaria eventualmente a irmã, gerente do local, a tocar os negócios. O documento, cuja existência foi revelada pelo “UOL” e confirmada pelo EXTRA, traz a assinatura do próprio Alauir como responsável pelo Biruta.

Trata-se de uma declaração com data de 11 de agosto de 2020. No topo, aparece a identificação do estabelecimento, com a numeração do espaço e o nome do Biruta. No texto, constam uma série de medidas de combate à pandemia da Covid-19 nas quais a Orla Rio teria dado suporte ao quiosque. “A Orla Rio sempre informou sobre as normativas e determinações editadas pelos três níveis de governo, em especial da Prefeitura do Rio”, diz um trecho do documento. “A Orla Rio já disponibilizou e ainda irá ofertar e disponibilizar cartilhas contendo toda a sorte de protocolos e orientações”, pontua outro. Ao fim dos cinco itens, “pelo estabelecimento declarante”, sobre o número de seu CPF, Alauir de Mattos Faria assina o ofício, assim como uma advogada em nome da concessionária.

– (O Alauir) estava sempre lá para ajudar a irmã dele, a Viviane. Por ser irmão da Viviane, que é a gerente, as pessoas também enxergavam nele uma certa autoridade. Então falavam que ele era o dono. Mas não é – havia declarado o advogado Lennon Corrêa, no dia 3 de fevereiro, logo após o depoimento do PM na DH.

 

Moïse Mugenyi Kabagambe tinha 24 anos

Moïse Mugenyi Kabagambe tinha 24 anos Foto: Gabriel de Paiva sobre imagem de álbum de família / Agência O Globo

 

A própria Viviane de Mattos Faria também aparece assinando um documento anexado ao processo movido pela Orla Rio. Em 14 de outubro de 2020, o Biruta recebeu uma notificação extrajudicial por parte da concessionária, relativa à “instalação irregular de grama sintética”. De acordo com o aviso, os responsáveis pelo quiosque aplicaram o artefato em “área de proteção ambiental destinada ao deck da unidade cedida, sem quaisquer autorizações dos órgãos públicos competentes e da presente concessionária”. No cabeçalho do documento, constam o nome, a rubrica e o número de documento de Viviane.

Desde que a morte de Moïse ganhou repercussão, a Orla Rio vem afirmando que, embora não seja o operador formal do quiosque Biruta, Alauir está à frente do estabelecimento de maneira irregular. A concessionária atesta ainda que o contrato para a administração do local foi celebrado com Celso Carnaval, que, sem o consentimento da empresa, teria entregue a operação ao policial.

 

 

Ainda de acordo com a Orla Rio, Carnaval já foi notificado por conta dessa e de outras supostas ilegalidades no funcionamento do local. A concessionária alega que, como as mesmas não foram sanadas, foi feita a rescisão unilateral do contrato, o que gerou uma ação judicial para reintegração de posse. É dentro desse processo, cujo início de tramitação se deu em julho do ano passado, que constam os documentos já citados. O EXTRA não conseguiu contato com o advogado Lennon Corrêa ou com o próprio Alauir.

A situação do Biruta ganhou um novo desdobramento depois que a Prefeitura do Rio e a Orla Rio anunciaram a intenção de entregar a gestão do espaço, assim como a do Tropicália, à família de Moïse. No local, haveria ainda uma espécie de memorial com homenagens ao jovem congolês. A parceria vale, de acordo com as autoridades, até o dia 22 de fevereiro de 2030, quando vence a concessão.

O problema é que Celso Carnaval, proprietário formal do Biruta, declarou que não vai abrir mão do espaço. O economista, de 81 anos, defende que permanecerá administrando o quiosque até que o processo movido pela Orla Rio chegue à última instãncia.

– Só vai ser conclusivo quando o juiz bater o martelo. Eu acho que sim. Se a gente está em pleno Estado de Direito, é isso que deve prevalecer – afirmou Celso ao portal “G1”, antes de continuar: – Eu não cedi nada. A prefeitura disse até que já entregou. Estou na orla há 50 e poucos anos. No momento adequado, vou me manifestar.

FonteEXTRA