Forças da Rússia desferiram quase 400 ataques na Ucrânia e rumam a Kiev, dizem autoridades

As forças da Rússia que invadem a Ucrânia por terra, ar e mar nesta quinta-feira estão organizadas em três eixos diferentes, e duas delas dirigem-se a Kiev, disseram autoridades do Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Desde antes do amanhecer, as forças russas atacam posições ucranianas, confirmando os piores temores do Ocidente naquele que já é o maior ataque de um Estado contra outro na Europa desde a Segunda Guerra Mundial.

As duas linhas rumo a Kiev partem da Bielorrússia, no Norte, e da Crimeia, no Sul, usando mísseis e artilharia de longo alcance, e tem o provável objetivo de destituir o governo do presidente Volodymyr Zelensky, acrescentou o porta-voz do Pentágono, que pediu anonimato. A terceira linha se concentra no Leste ucraniano, perto da fronteira.

Segundo um porta-voz das Forças Armadas ucranianas, o objetivo da Rússia nesta primeira etapa é “bloquear a capital Kiev e criar um corredor terrestre para a península anexada da Crimeia e a Transnístria”, uma região separatista da Moldávia próxima a Odessa, no Sul.

Mapa mostra ataques russos na Ucrânia, com tropas movendo-se para Kiev Foto: Arte/O GLOBO
Mapa mostra ataques russos na Ucrânia, com tropas movendo-se para Kiev Foto: Arte/O GLOBO

O Ministério do Interior ucraniano informou às 21h de Kiev (16h no Brasil) que registrou 393 ataques da Rússia contra posições suas nesta quinta-feira. Segundo o governo ucraniano, 57 ucranianos morreram e 169 ficaram feridos. Não houve estimativas dos números de quantos são civis e quantos militares.

Segundo o Exército russo, 74 instalações de infraestrutura militar ucraniana foram destruídas, incluindo 11 pistas de decolagem. O Ministério da Defesa disse que o objetivo das 12 primeiras horas da ofensiva “foi atingido”.

A área próxima à usina nuclear de Chernobyl, que registrou o pior acidente atômico já ocorrido no mundo em 1986, foi capturada pelas forças russas “após uma batalha feroz”, disse Mykhailo Podolyak, assessor do gabinete presidencial ucraniano. Vídeos postados na internet mostram veículos militares circulando pela zona de exclusão radioativa.

— É impossível dizer que a usina nuclear de Chernobyl está segura após um ataque totalmente inútil dos russos — disse ele. — Esta é uma das ameaças mais sérias na Europa hoje.

As forças russas até agora têm atacado instalações militares ucranianas e alvos de defesa aérea, usando mais de 160 mísseis balísticos de médio e curto alcance, segundo o Ministério de Defesa americano. A Rússia também usou mísseis lançados do mar de navios de guerra no Mar Negro, disseram as autoridades do Departamento de Defesa. Até agora, a Rússia não atacou o Oeste da Ucrânia.

Autoridades de defesa disseram que as forças ucranianas estão revidando, com os combates mais pesados em um cerco a Kharkiv, a cidade grande mais próxima da Rússia, no Leste da Ucrânia.

A ofensiva russa mais perto de Kiev se concentra sobre o aeroporto de Gostomel ou Antonov, no Noroeste de capital. Após ser tomado por forças russas, houve um revide ucraniano, e, às 17h do Brasil, a batalha ainda está em curso. O aeroporto é considerado estratégico, pois sua pista de pouso poderia possibilitar o envio de tropas e armamentos para o lado russo, que domina o ar.

Na operação para capturar o aeroporto, helicópteros chegaram por volta das 11h locais (6h no Brasil) da Bielorrússia, roçando os telhados das casas e causando pânico a caminho da capital. Segundo testemunhas, no ataque russo para capturar o aeroporto, soldados desceram de helicópteros com cordas dos helicópteros disparando metralhadoras.

— Havia pessoas sentadas nos helicópteros, com as portas abertas, sobrevoando nossas casas — disse Sergui Storojouk do lado de fora do aeroporto, pegando suas malas de viagem e fugindo da área. — Os helicópteros chegaram e os combates começaram. Dispararam com metralhadoras e lança-granadas.

As explosões na capital começaram desde antes do amanhecer, e, várias vezes ao dia, sirenes soaram por toda a cidade e a rodovia ficou congestionada com o tráfego, enquanto os moradores tentavam fugir. Houve relatos de uma coluna de fumaça subindo perto da sede da Inteligência do Ministério da Defesa ucraniano no centro da capital. Testemunhas viram pessoas uniformizadas tentando apagar o fogo.

O prefeito de Kiev decretou toque de recolher das 22h às 7h na cidade, e o Ministério do Interior pediu para a medida ser respeitada. As forças ucranianas na região de Donbass, onde ficam as duas repúblicas separatistas pró-Moscou, têm conseguido resistir ao avanço russo, mas as forças de Moscou tentam isolá-las.

Segundo Tatiana Stanovaya, pesquisadora do Centro Carnegie de Moscou, “a missão não é dividir a Ucrânia, mas controlá-la completamente. Isso provavelmente se deve à intenção de interromper a conexão com a fronteira no Oeste para que não haja fornecimentos para guerrilheiros. Isso aumenta drasticamente os riscos para toda a operação”.

Ao anunciar pela televisão russa que ordenou o ataque à Ucrânia, Putin fez ameaças aos EUA e à Otan:

— Quem tentar interferir, ou ainda mais, criar ameaças para o nosso país e nosso povo, deve saber que a resposta da Rússia será imediata e levará a consequências como nunca antes experimentado na História — disse.

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, disse que o objetivo do líder do Kremlin, Vladimir Putin, é destruir seu Estado.

“Putin acaba de lançar uma invasão em grande escala da Ucrânia. Cidades pacíficas ucranianas estão sob ataque”, disse o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, no Twitter. “Isso é uma guerra de agressão. A Ucrânia vai se defender e vencer. O mundo pode e deve parar Putin. O momento para agir é agora”, disse.

Com 44 milhões de pessoas com mais de 1.000 anos de história, a Ucrânia é um país democrático e com a maior área territorial na Europa depois da própria Rússia. Após a queda da União Soviética, a população do país votou esmagadoramente pela independência, e as pretensões do país de se juntar à Otan e à União Européia enfurecem Moscou.

Putin, que negou por meses planejar uma invasão, disse em um discurso de uma hora na segunda-feira que a Ucrânia surgiu como “resultado da política bolchevique (…) [e] ainda hoje pode, com razão, ser chamada de ‘Ucrânia de Vladimir Ilyich Lênin'”, uma caracterização que os ucranianos chamam de chocante e falsa.