— Nós temos a convicção de que Bruno é inocente em relação a essas acusações. Existiu um equívoco bastante pronunciado na denúncia. Há uma modificação até de fatos que tornam essa discussão um pouco desfocada, na nossa opinião. E quanto ao fato principal, que envolve o problema da partida contra o Santos, também não me parece que a circulação da informação foi completa. A acusação diz, basicamente, que Bruno teria transferido para o irmão uma informação sobre um terceiro cartão que seria tomado contra o Santos. Quem assistiu com assiduidade ao Campeonato Brasileiro de 2023, sabe que o terceiro cartão do Bruno Henrique aconteceu logo na sequência, no jogo contra o Botafogo. Ele tomou, na verdade, o sexto cartão, ou seja, ele fez um segundo ciclo de cartões até o jogo contra o Santos. Estão exagerando um pouco, como se ele pudesse fazer uma futurologia em relação a quatro novos cartões — defendeu Alexandre Vitorino, que acrescentou:
— Mas o que é mais relevante? No dia 15 de outubro, quando o Wander procura o Bruno novamente, ele dá uma resposta bastante dura para o irmão. Quando há uma pergunta sobre a possibilidade de ele tomar um terceiro cartão contra o Santos, ele usa até um palavrão para mostrar que ele não concorda com aquilo. E essa informação não foi uma informação que parece ter chamado a atenção da comissão que julgou esse caso em primeiro grau. Então nós temos a expectativa de virar no mérito. O que eu acho que é muito importante, porque, se nós conseguirmos demonstrar realmente que isso aconteceu, o Bruno não vai ser simplesmente absolvido. Ele vai passar por uma redenção de reputação, que eu acho muito importante. É um atleta que tem muitos títulos, tem o apreço da torcida do maior clube de futebol do Brasil e, além de tudo, é um sujeito que merece ter uma redenção em relação à sua reputação, porque ele simplesmente não cometeu aquilo que estão dizendo que ele fez.
Troca de mensagens entre Bruno Henrique e o irmão no dia 29 de agosto de 2023 — Foto: Reprodução
O que a defesa alega é que Bruno Henrique foi advertido com três cartões amarelos antes do jogo contra o Santos, em novembro de 2023. Ele chegou a cumprir suspensão e tomou outros dois cartões, sendo orientado pelo Flamengo a levar mais um contra o Santos – uma estratégia para desfalcar o time diante do Fortaleza e voltar a jogar contra o Palmeiras, jogo considerado importante. No dia 16 de outubro, Wander voltou a procurar o irmão e foi repreendido:
Troca de mensagens entre Bruno Henrique e o irmão no dia 16 de outubro de 2023 — Foto: Reprodução
A defesa de Bruno Henrique no pleno do STJD passará pelos seguintes pontos, segundo esclareceu o advogado Alexandre Vitorino:
- O primeiro é um tópico técnico, da prescrição, que é a extinção do direito de punir pelo tempo. A justiça desportiva tem um prazo de 60 dias para apurar eventuais infrações. Esse prazo não foi cumprido.
- Há um segundo tópico que foca basicamente na dinâmica do lance. Foi um lance aos 95 minutos, que não alterou o resultado da partida e que sequer foi falta. É ainda mais grave porque a reação dele é muito espontânea. Ele confronta o juiz por se considerar injustiçado pelo cartão amarelo. E é expulso. Alguém que queria receber o cartão amarelo faria isso? Teria algum sentido confrontar o árbitro depois de receber um cartão que seria objeto de um prévio conluio?
- Finalmente, eu vou trabalhar a questão da outra mensagem que Bruno Henrique manda no meio de outubro, em que ele desautoriza o irmão. O tribunal não percebeu a mensagem que acontece em outubro, em que ele é deselegante com o irmão.
Bruno Henrique também será julgado na justiça comum. Ele é acusado de fraude esportiva e foi denunciado no artigo 200 da Lei Geral do Esporte – fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que se fraude, de qualquer forma, o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado –, com pena de dois a seis anos de reclusão.
— Essa defesa é feita por outros colegas e eu posso dizer que, de certa maneira, há o mesmo problema que aconteceu na justiça desportiva. Há uma tentativa de enquadrar o comportamento dele em um artigo de lei que não se encaixa, no artigo 200 da Lei Pelé. Ali se exige que haja alteração de um resultado de partida. Não teve resultado de partida alterado. O que o tribunal está dizendo, e isso é bastante curioso, é que o cartão amarelo é um critério de desempate, e esse critério de desempate teria sido alterado. Como é que terminou o Campeonato Brasileiro de 2023? O Flamengo terminou empatado com o Atlético Mineiro (66 pontos). O critério de desempate foi saldo de gols. Mesmo essa tese de que o cartão é um critério de desempate e que esse cartão teria sido um resultado da partida, não parece relevante, porque não foi ele que resolveu qualquer situação de desempate entre equipes — destacou Alexandre Vitorino.
— Em todo esse tempo que nós temos o Campeonato Brasileiro, nunca houve um campeonato decidido com base em uma contagem de cartões amarelos. Até porque esse critério é o quinto critério de desempate. Fica muito difícil realmente imaginar que um cartão amarelo possa ser um resultado que altera uma partida. Um resultado seria alterado quando o jogador perde um pênalti, provoca uma expulsão precoce que desorganiza o time no começo do jogo, é criador de uma confusão em massa que leva à expulsão de diversos companheiros. Aí a gente ainda pode pensar no resultado diferente do placar e materializar esse resultado. Mas no caso é um artifício que eu considero um tanto quanto forçado. Tentar dizer que um cartão amarelo, naquelas condições do Bruno, foi um resultado alterado de partida é no mínimo um grande exagero — completou o advogado.
Leia abaixo outros trechos da entrevista com o advogado de Bruno Henrique:
ge: como a defesa avalia o enquadramento da denúncia no Artigo 243A (Atuar, de forma contrária à ética desportiva, com o fim de influenciar o resultado de partida)?
Alexandre Vitorino: outro ponto que eu considero relevante também, talvez as pessoas não tenham tido informação muito precisa sobre isso, é que Bruno foi condenado por um suposto comportamento de natureza antidesportiva, que teria alterado o resultado de uma partida. Quem acompanhou aquele jogo, sabe que Bruno tomou o segundo cartão amarelo e depois tomou o cartão vermelho, já aos 95 minutos, ou seja, aos 50 minutos do segundo tempo. Não houve alteração de resultado da partida decorrente desse comportamento. Nossa conclusão é de que Bruno é inocente, e o comportamento pelo qual ele foi condenado sequer aconteceu. Não existe no Código Brasileiro de Justiça Desportiva um artigo que trate especificamente de uma situação de vazamento de informação privilegiada. E a comissão, na nossa avaliação, faz uma certa ginástica, faz um esforço excessivo para tentar ajustar o comportamento do Bruno a uma situação que não é a do comportamento que você quer analisar.
Desde a divulgação da pena, há uma discussão entre torcedores na internet sobre a punição ter sido branda, comparando com outros casos. Quais atenuantes e diferenças são levados em conta no processo do Bruno Henrique?
— A primeira diferença, que é gritante, é olhar para o próprio lance. O lance é um lance em que Bruno Henrique não teve sequer contato físico com o Soteldo. A crítica desportiva chegou a dizer que aquele lance não teria sido sequer um lance faltoso. Foi, na verdade, punido com um cartão amarelo. Na sequência, reclamou e foi punido com um cartão vermelho. O que talvez tenha levado o tribunal a fixar uma pena baixa foi, além da primariedade do Bruno, o fato de que as circunstâncias em que o cartão foi dado são circunstâncias um tanto quanto estranhas. A gente percebeu ali um certo constrangimento em relação a aplicar uma pena pesada para amplificar os efeitos de um cartão que sequer parecia ser devido. Acho que essa foi a questão. O Tribunal de Justiça Desportiva não costuma rever a arbitragem, não faz esse tipo de modificação. Mas as circunstâncias em que o caso ocorreu realmente criam sérias dúvidas sobre a justiça dessa punição. Quando o sujeito tem muita dúvida, uma das formas de atenuar as consequências é reduzindo a pena. Eu diria que as condições nervosas da imposição do cartão e a boa reputação do Bruno, que era primário, influenciaram isso.
— O Bruno não teve nenhuma vantagem econômica com isso. Houve a afirmação de que um grupo maior teria sido beneficiado por essa informação, mas essas pessoas que integram o grupo maior não têm nenhum contato com o Bruno. O Bruno teve o celular apreendido e periciado. O celular dele tinha mais de 3.900 chats. Encontraram duas mensagens que foram interpretadas como mensagens de referência a apostas. Uma delas é a que foi divulgada, aquela relacionada a um terceiro cartão contra o Santos. Não aconteceu, porque o terceiro cartão foi contra o Botafogo. E a outra mensagem foi aquela que não foi divulgada, que é a mensagem do dia 15 de outubro, em que ele diz para o irmão: “Para isso que você está me ligando?”. Como quem diz assim, que absurdo! Esse é o objetivo do contato que você faz comigo? Ele não está satisfeito com a insistência que o irmão faz em obter aquela informação.
— A gente precisa entender que, tratando da aplicação de punições às pessoas, a gente exige que haja uma comunhão de propósito. As pessoas precisam estar associadas para um fim comum. Imaginar que o Bruno Henrique, um atleta consagrado, com uma remuneração expressiva, estaria de fato inserido em um esquema de apostas não parece nada razoável. O pagamento de todas aquelas apostas não ultrapassa o valor de R$ 15 mil. Isso se a gente considerar nove ou dez apostas. Estou considerando, inclusive, apostas que foram feitas por pessoas com as quais o Bruno não tinha contato. Ele não tem proveito econômico, não ganha um centavo com isso, e é difícil de acreditar no contexto que ele tenha tolerado que outros ganhassem esse dinheiro, considerando a relação emocional dele com o palavrão quando é abordado sobre isso ali bem mais próximo do jogo contra o Santos.
— Repito: eles estão utilizando uma comunicação de agosto, quando ele tinha apenas dois cartões, para dizer que ele teria combinado o sexto cartão. O sexto, não é o terceiro cartão. Isso não para em pé. Se as pessoas estão acusando alguém de ter cometido um conluio, é necessário, é esperado que esse conluio aconteça na vida real, tal como houve combinação, e os fatos não mostram isso. Infelizmente, também é verdade, que as informações circularam de forma minguada, de forma muito escassa. Se tivessem colocado uma lupa no processo, se tivessem olhado as mensagens que, de fato, foram periciadas, a opinião sobre o Bruno seria muito diferente. E é importante que essa opinião seja modificada, porque ele ainda é um atleta que tem um futuro profissional, é alguém que dá muitas alegrias à torcida do Flamengo nesse período que lhe resta de carreira.
Advogado Alexandre Vitorino defende Bruno Henrique no STJD — Foto: Divulgação
Nesse caso, acredita que o “julgamento público” pode pesar para a decisão?
— Esse é o meu grande temor. Existe uma expressão, que normalmente é utilizada em inglês, chamada Trial By Media, que é julgamento popular, um julgamento a partir de informações que são objeto de circulação e que dificultam a apuração do fato de como ele realmente aconteceu. Como esse é um assunto que envolve paixões, envolve futebol e envolve uma celebridade do futebol, esse é um risco que infelizmente acontece. Na minha opinião, talvez seja esse o real motivo pelo qual fizeram um esforço tão grande de enquadramento da conduta do Bruno no Código Brasileiro de Justiça Esportiva. A discussão sobre integridade no futebol, sobre integridade nas apostas é muito relevante. Eu realmente acredito que a gente precisaria modificar o nosso código e pensar em outros comportamentos que a gente quer proibir. Mas, na minha opinião, não se faz uma evolução das normas criando um Cristo, uma situação de sacrifício de uma carreira bem sucedida como é a do Bruno. O Bruno não é um jogador que começou a jogar futebol agora. E não existe nenhuma notícia de quebra de integridade dele ao longo de toda essa carreira, que é uma carreira vitoriosa.
Como o Bruno Henrique recebeu a punição?
— O Bruno está muito triste, mas ele se disse esperançoso de que esse resultado será modificado no julgamento do pleno do STJD. Nós já formulamos um pedido de efeito suspensivo e pode ser apreciado a qualquer momento. É possível que Bruno já participe das próximas partidas do Flamengo no Campeonato Brasileiro.
Ficou uma dúvida sobre os jogos em que ele precisará cumprir a pena. O relator sugeriu que a CBF notificasse a Fifa. Ele poderá ficar fora também da Libertadores?
— Quanto à Fifa, não tem repercussão imediata, porque a questão ainda não acabou. Ainda não houve um julgamento definitivo. A percepção é de que, como a comissão fala em suspensão de partidas, essas partidas são compreendidas dentro do campeonato onde surgiu a infração. Então, seriam partidas exclusivamente do Brasileirão, da Série A.
Há possibilidade de levar o caso a instâncias superiores?
— Na justiça desportiva o debate acaba. O que existe é a possibilidade de submissão desse mesmo problema à justiça comum se isso se mantiver. Honestamente, eu não acredito que essa decisão será mantida. Eu tenho firme convicção de que nós reverteremos esse resultado. Todos os argumentos são muito consistentes. A decisão foi tomada por apertada maioria em relação à prescrição, e por maioria em relação ao mérito. Nós temos condições de esperar uma revisão pelo pleno, até porque o pleno já julga num segundo momento, quando a questão está decantada e as informações circularam com mais propriedade. O pleno, além de tudo, tem essa missão de garantir, em última instância, que a prova seja examinada de uma maneira minuciosa, detalhada. Então, eu acredito que esses elementos que acabaram escapando involuntariamente na análise da comissão vão ser tomados em conta no julgamento final.