Para ‘escapar’ da Bolívia, médico brasileiro vai andar 25 km de casa até aeroporto: ‘Nem bicicleta pode passar’

Por conta da onda de protestos e bloqueios contra a reeleição de Evo Morales à presidência da Bolívia, o médio brasileiro Nilson Moura, de 27 anos, pretende andar 25 quilômetros, de onde está hospedado, em uma casa, em Santa Cruz de La Sierra, até o aeroporto da cidade, para tentar embarcar em um voo e “escapar” do país.

Moura faz parte do programa Mais Médicos do governo federal e trabalha na aldeia Katõ no estado do Pará. Atende no local 30 dias direto e depois folga 30 dias, como compensação. Nas folgas vem para Mato Grosso do Sul, onde nasceu e tem família e viaja também para a Bolívia, onde tem amigos e parentes. Ele estava a passeio no país vizinho quando se viu em meio as manifestações.

Nervoso com a situação inesperada, ele conta que as vias que dão acesso a Santa Cruz de La Sierra estão totalmente bloqueadas para veículos. Não podem passar nem carros ou motos. Até mesmo o transporte coletivo está paralisado. Não circulam nem ônibus e nem trens. “Nem de bicicleta pode passar. Se tentar seguir, eles [manifestantes] tomam e acabam murchando os pneus”, explicou ao G1.

Tendo que voltar ao trabalho em sete dias, o médico brasileiro, se prepara para a aventura de cruzar a pé toda a cidade para tentar chegar ao aeroporto internacional de Viru Viru. “Estou com bagagens. Uma mala de mão e uma mochila, que vou levar nas costas. Se até amanhã [terça-feira] esse bloqueio não terminar, terei que ir a pé mesmo para o aeroporto. Vou sair bem cedinho para chegar a tempo”, planeja, completando que o seu voo vai sair na quarta-feira (30).

“No sábado (2 de novembro) meu voo já está marcado de Campo Grande para Santarém (PA), preciso está la no meu local de trabalho em sete dias”, diz angustiado. Ele conta que no Pará o trajeto para chegar a aldeia é longo e que qualquer atraso pode atrapalhar todo o andamento da viagem.

Cursando especialização em saúde indígena, o médico conta que após desembarcar em Santarém, já no Pará, terá de pegar uma lancha e descer o rio em uma viagem de aproximadamente 8 horas até a cidade de Jacareacanga. “Depois tenho que pegar um barco pequeno e viajar mais quatro horas até chegar a aldeia”, diz o médico.

Os protestos que estão preocupando o médico brasileiro começaram na madrugada do dia 23, alguns dias depois das eleições presidenciais bolivianas, que tiveram Evo Morales, como candidato a reeleição.

O Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) da Bolívia anunciou neste sábado (26) a reeleição de Evo Morales com apuração de 100% das urnas.

O órgão colocou-se à disposição para auditorias, como sugerido pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e pela União Europeia (UE). Por enquanto, o Brasil não reconhece os resultados. A eleição pode dar a Morales seu quarto mandato e ele segue no poder desde 2016.

Eleição polêmica

A eleição ocorreu no domingo (20). O processo teve uma polêmica, já que havia dois métodos de apuração: um deles, o preliminar, era mais rápido, enquanto o outro, voto a voto, transcorria mais lentamente.

Os resultados dessas duas formas de contar começaram a divergir já no domingo. Enquanto a preliminar indicava a reeleição do presidente Evo Morales, a voto a voto apontava a disputa de um segundo turno de Morales contra Carlos Mesa.

Na Bolívia, um candidato pode ser declarado vencedor no primeiro turno se tiver 50% dos votos mais um, ou se tiver 40%, com dez pontos de vantagem sobre o segundo colocado.

A oposição se manifestou – houve acusações de fraude e protestos nas ruas. A Organização dos Estados Americanos publicou um documento em que qualificava a mudança de tendência inexplicável.

A divulgação da apuração preliminar foi suspensa e apenas a voto a voto continuou a ser divulgada.

Na segunda-feira, o ministro das Comunicações, Manuel Canelas, admitiu que o órgão eleitoral errou ao não deixar claro que havia duas contagens paralelas e explicou que a contagem preliminar tinha sido paralisada quando foi notado que havia uma confusão.

Na terça-feira, o vice-presidente do Tribunal Supremo Eleitoral, Antonio Costas, pediu demissão e afirmou que não tinha participado da decisão de interromper o serviço de apuração preliminar.

Ainda com um impasse nos resultados, os protestos cresceram, e Mesa convocou seus apoiadores a manterem uma mobilização constante até que se declare o segundo turno oficialmente.

Ao mesmo tempo, Evo dizia que venceu no primeiro turno e, nesta quinta, mesmo antes do encerramento da apuração, repetia ter ganhado “graças ao voto rural”. Na véspera, ele havia falado que a Bolívia “está em processo um golpe de estado”, em aparente referência aos protestos e à greve indefinida anunciados no país. Ele também afirmou que o país estava em estado de emergência e “em mobilização pacífica, constitucional e permanente”.

FonteG1 MS