Ministros divergiram em temas como alegações de cerceamento de defesa e incompetência do STF para analisar o caso, mas votaram pela validade da delação de Mauro Cid.
Por Fernanda Vivas, TV Globo — Brasília
O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), apresentou divergências em relação ao relator, ministro Alexandre de Moraes, em seu voto no julgamento da trama golpista nesta quarta-feira (10).
As discordâncias foram em questões preliminares, que se relacionam ao andamento do processo, mas têm influência nos desdobramentos do caso.
➡️ Na última terça-feira (9), Moraes e Flávio Dino votaram pela condenação de Bolsonaro e mais 7 réus. Depois de Fux, ainda votarão Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
Moraes e Dino rejeitaram as questões preliminares levantadas pela defesa. Entre elas, a validade da delação de Mauro Cid, a competência do STF para analisar o caso, a alegação de cerceamento de defesa.
Competência para julgamento
Alexandre de Moraes e Flávio Dino votaram por reforçar a competência da Primeira Turma do STF para analisar o caso.
O ministro Luiz Fux divergiu. Ele ressaltou que os acusados não têm foro privilegiado e que, por isso, não cabe ao Supremo analisar o caso, mas sim à Justiça Comum.
Fux ressaltou também que o tipo de competência em discussão é a absoluta, que não pode ser mudada pela vontade das partes e pode ser reconhecida a qualquer momento.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2025/g/O/qNM0rdSDicAdjJc5FalQ/2025-09-10t124502z-621574333-rc20pgaeiflk-rtrmadp-3-brazil-bolsonaro.jpg)
Fux em julgamento da trama golpista em 10 de setembro de 2025 — Foto: Adriano Machado/Reuters
Direito de defesa
Alexandre de Moraes e Flávio Dino rejeitaram o argumento das defesas de que houve cerceamento no direito de defesa em seus votos.
Um dos pontos levantados pelas defesas, nesse sentido, era a grande quantidade de documentos para analisar em pouco tempo.
Nesse ponto, Moraes ressaltou que não foram juntadas provas próprias pelos advogados, e que eles não esgotaram o número de testemunhas possíveis no momento de coleta de informações.
Entretanto, Fux considerou que houve prejuízos à defesa.
“Em razão da disponibilização tardia de um tsunami de dados, sem identificação com antecedência dos dados, eu acolho a preliminar de violação constitucional de ampla defesa e declaro cercamento de defesa”, disse Fux.
Delação de Mauro Cid
Moraes e Dino votaram pela validação da delação de Mauro Cid, que firmou acordo com os investigadores em 2023. Neste ponto, Fux concordou.
A colaboração de Cid foi atacada pelas defesas nas sustentações da semana passada.
“Eventuais omissões dolosas não acarretam nulidade delação, mas merecem análise sobre efetividade e modulação dos benefícios pactuados”, pontuou Moraes.
“As provas orais, deslindadas pelo delator, me parecem absolutamente compatíveis com o acervo probatório dos autos”, declarou Dino. “Encontramos um acordo de colaboração premiada válido, suficiente para sustentar um juízo de condenação”, concluiu.
Fux também votou pela validação do acordo. Considerou “desproporcional” a anulação da delação.
“Estou acolhendo a conclusão do relator, o parecer do Ministério Público e voto no sentido de se aplicar ao colaborador ou benefícios propostos pela PGR”, declarou.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2025/V/x/JMKVo5QACh6B8Y729FuA/fotojet-2025-09-01t092348.425.jpg)
Montagem mostra Fux e Moraes — Foto: Flickr/STF
Caso de Ramagem
Fux considerou que, quanto ao deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), o processo também deve ser suspenso em relação à acusação de organização criminosa.
Ramagem já está com a ação penal suspensa quanto aos crimes de dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado, por decisão da Câmara dos Deputados. A Constituição permite este procedimento.
A defesa do parlamentar pediu, no entanto, que a suspensão também alcançasse o crime de organização criminosa, já que o deputado estava em exercício do mandato à época.
Organização criminosa
Divergindo de Moraes e Dino, o ministro Luiz Fux entendeu que não ficou configurado o delito de organização criminosa.
“Não houve, na narrativa, a demonstração da prática do delito de organização criminosa”, declarou.
Para o ministro, a conduta deles não se adequou aos elementos previstos na lei para caracterizar a ação ilegal. Não houve, por exemplo, o emprego efetivo de armas, nem a coordenação entre os envolvidos para realizar crimes com penas máximas superiores a quatro anos.
A posição de Fux vai contra a acusação da PGR quanto ao delito, o que pode representar diminuição da pena. Se ela fosse aplicado da forma como solicitada pelo Ministério Público, a punição pode chegar a 17 anos de prisão.
Crimes contra a democracia
Fux defendeu que não é possível a aplicação simultânea de dois crimes contra a democracia: golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Defendeu que o crime seja tratado pelo princípio da consunção, usado para definir penas quando há mais de um crime. Ele busca evitar punições duplicadas por um mesmo ato, garantindo proporcionalidade.
Na prática, permite que o crime mais grave “absorva” o menos grave, quando este foi necessário para que o outro ocorresse. Ou seja, se um delito foi meio para cometer outro, só o mais grave deve ser punido.
Dano qualificado
O ministro explicou que o crime de dano qualificado só é aplicável se a conduta não se enquadra em um ato ilícito mais grave.
Nesse contexto, Fux pontuou que deve prevalecer a lei específica sobre a lei geral. Então, deve ser aplicada a pena de apenas um crime: deterioração do patrimônio tombado, que está na Lei de Crimes Ambientais, em lugar do dano qualificado, que está no Código Penal.
Além disso, ressaltou que não é possível condenar um réu pelo delito por conta de ações de terceiros. Destacou, ainda, que não há indícios de que os réus tenham ordenado a destruição ou que tenham se omitido de forma dolosa diante das invasões.
Atos preparatórios e tentativa
Em seu voto, o ministro também abordou a questão dos atos preparatórios e da tentativa nos crimes atribuídos aos réus.
Atos preparatórios, em regra, não são puníveis pela lei penal. A legislação é usada em atos que representam a execução dos crimes.
Para o ministro, a tentativa pressupõe consciência e vontade de realizar o crime no momento do ato.
“A tentativa demanda um ataque direto, efetivo e imediato ao bem jurídico protegido pela norma penal. Na dúvida sobre a caracterização da ofensa material direta, efetiva e imediata, deverá o julgador decidir em favor do réu, negando a existência da tentativa”, pontuou.
No entendimento de Fux, o ato que ainda não foi um ataque direto ao que é protegido pela lei penal não pode ser considerado uma ação de execução do crime.