Delegação deixou Kiev ao amanhecer para avaliar situação no maior complexo atômico da Europa; acusações mútuas de russos e ucranianos sobre bombardeios continuam
Por O Globo e agências internacionais — Kiev
Caminhões russos passam pelo portão de entrada da central nuclear de Zaporíjia, na cidade ucraniana de Enerhodar Photo by Andrey Borodulin/ AFP
A delegação da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) chegou nesta quarta-feira a Zaporíjia, no Sul da Ucrânia, para inspecionar o maior complexo nuclear da Europa. Há semanas, russos e ucranianos trocam acusações sobre bombardeios na região, enquanto autoridades internacionais alertam para o risco de uma catástrofe atômica.
A delegação de 14 especialistas viajou em um comboio de quase 20 caminhões brancos identificados com o nome da ONU e uma ambulância. Deixaram Kiev ao amanhacer e viajaram cerca de 10 horas na direção sudoeste até Energodar, a cidade mais perto da usina e ocupada pela Rússia.
— É uma missão que visa evitar um acidente nuclear e preservar esta importante usina nuclear, a maior da Europa — disse Rafael Grossi, chefe da agência da ONU, ao completar o trajeto que, em tempos normais, levaria apenas duas horas.
Ainda não está claro exatamente por onde a missão passou, quanto tempo vai ficar, mas declarações de Grossi indicam que não deve ser apenas um dia e que há planos de estabelecer uma missão permanente de monitoramento com até oito pessoas. O governador regional nomeado pela Rússia, Yevhen Balytskyi, no entanto, disse que a visita seria de apenas 24 horas:
— Eles têm um dia para inspecionar a operação da planta — disse ele. — Se eles afirmarem que alguns elementos precisam ser resolvidos, nós poderemos fazer isso.
Terceiro maior complexo nuclear do mundo, Zaporíjia abriga seis dos 15 reatores ucranianos, com capacidade de fornecer energia a 4 milhões de residências. A usina foi ocupada pelos russos em 4 de março, após uma batalha apontada como de extremo risco pela AIEA. Instalações chegaram a ser danificadas por foguetes e por disparos de artilharia, mas não houve danos nos reatores em operação.
Mesmo sob controle russo, o complexo é operado por funcionários ucranianos, que, de acordo com relatos de Kiev, trabalham em regime de “semiliberdade”. Estima-se que 500 militares russos estejam na central, também usada como local de armazenamento de armas e equipamentos de combate.
Ambas as partes se acusam mutuamente de bombardeios na região, que se intensificaram desde junho. Nesta quarta, por exemplo, autoridades ucranianas acusaram a Rússia de bombardear Energodar às vésperas da chegada da delegação da AIEA na cidade.
De acordo com Grossi, contudo, a missão recebeu garantias de segurança tanto de Kiev quanto de Moscou, apesar dos perigos continuarem. É, ainda assim, uma das missões mais complicadas da agência em seus 65 anos: nunca antes os delegados precisaram cruzar a linha de frente de um conflito ativo para realizar seu trabalho.
— Finalmente estamos nos movendo depois de seis meses de esforços. A AIEA está se dirigindo para a usina nuclear de Zaporíjia — disse Grossi ao deixar Kiev. — Estou ciente da relevância deste momento, mas estamos preparados. A AIEA está preparada. Daremos um relatório após a missão. Vamos passar alguns dias lá.
A Ucrânia, uma ex-república soviética, sofreu a pior catástrofe nuclear da história em 1986, quando um reator na usina de Chernobyl explodiu e espalhou radiação na atmosfera.
A Ucrânia, inicialmente, temeu que uma visita da AIEA a Zaporíjia legitimasse a ocupação russa do local, mas depois apoiou a ideia de uma inspeção, se a equipe partisse do território controlado por Kiev.
O Kremlin também chamou a missão de “necessária” e pediu à comunidade internacional que pressione a Ucrânia para parar de colocar a usina em risco, disse seu porta-voz Dmitri Peskov.
Em uma reunião com Grossi, na terça-feira, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse estar “muito grato” pela visita e alertou que a situação ao redor da usina era “extremamente ameaçadora”.