Gil de Ferran: morte precoce deixa fãs órfãos de uma lenda do esporte

Voando Baixo — Rio de Janeiro

Gil de Ferran: morte precoce deixa fãs órfãos de uma lenda do esporte

Jonathan Ferrey/Getty Images

Sou um apaixonado por esportes. Em especial, o automobilismo – do qual comecei a gostar antes mesmo do badalado e, no Brasil, majoritário, futebol. Cresci e comecei a acompanhar corridas no fim dos anos 1980, incentivado por minha mãe, uma grande fã de Ayrton Senna. Mas a década de 1990 foi especial – apesar da morte do tricampeão naquele trágico fim de semana de Imola, em 1994. Lembro das manhãs embaladas pelas corridas de Fórmula 1 e das tardes com as corridas da Fórmula Indy – primeiro com as conquistas de Senna e Emerson Fittipaldi; depois com os brasileiros que ficaram na Europa e com uma jovem geração que chegava aos Estados Unidos.

Gil de Ferran no clássico Reynard-Mercedes amarelo em Road America na temporada 1995 da Fórmula Indy — Foto: Alvis Upitis/Getty Images

Gil de Ferran no clássico Reynard-Mercedes amarelo em Road America na temporada 1995 da Fórmula Indy — Foto: Alvis Upitis/Getty Images

Gil de Ferran acelera o Reynard-Honda da Walker Racing na Rio 400 da temporada 1998 da Cart — Foto: Pascal Rondeau/Getty Images

Gil de Ferran acelera o Reynard-Honda da Walker Racing na Rio 400 da temporada 1998 da Cart — Foto: Pascal Rondeau/Getty Images

Torci muito para Gil de Ferran nos anos 1990. Era sempre uma alegria quando Teo José, que narrava as corridas para o Brasil, bradava “Não perde mais Gil de Ferran”. Ao todo, foram 12 vitórias do brasileiro na Fórmula Indy, nas gestões de Cart e IRL, entre os anos de 1995 e 2003. Contratado pela gigante equipe Penske, do “Capitão” Roger Penske no fim de 1999, finalmente teve a chance que merecia de lutar com chances reais pelo título da categoria – e conquistou logo o bicampeonato seguido em 2000 e 2001, com campanhas marcadas pela regularidade e pelas vitórias em Nazareth e Portland (2000); e Rockingham, na Inglaterra, e nas ruas de Houston (2001). Além disso, em 28 de outubro de 2000, ainda bateu o recorde mundial de maior velocidade média já registrada em uma classificação em qualquer categoria: 241,428 mph (388,537 km/h), no antigo California Speedway, o superoval de Fontana (demolido no início de 2023), nos Estados Unidos. A marca permanece imbatível até hoje.

Gil de Ferran ao lado de Roger Penske em Fontana-2000 com o recorde mundial de velocidade em uma classificação — Foto: Robert Laberge/Allsport

Gil de Ferran ao lado de Roger Penske em Fontana-2000 com o recorde mundial de velocidade em uma classificação — Foto: Robert Laberge/Allsport

Só que a maior alegria para quem torcia para Gil de Ferran veio alguns anos depois. Mais precisamente em 2003, nas 500 Milhas de Indianápolis. Na primeira temporada completa da Penske na IRL, a equipe escolheu chassis diferentes para seus dois pilotos, tentando maximizar as chances de vitória. Bicampeão da prova, Helio Castroneves ficou com o Dallara, enquanto Gil de Ferran andou com o Panoz-G Force. A briga pela vitória acabou ficando entre os dois pilotos da equipe. Na 169ª volta, Helinho teve um entrevero com o retardatário A.J. Foyt IV. Com isso, Gil se aproveitou e ganhou a ponta para não mais largar, mesmo com mais dois acionamentos da bandeira amarela e as consequentes entradas do pace car. Gil completava o objetivo: após os dois títulos da categoria, chegava a vez da Indy 500. E no fim do ano, a aposentadoria profissional das pistas.

Gil de Ferran comemora o bicampeonato da Fórmula Indy em Surfers Paradise, na Austrália, em 2001 — Foto: Robert Laberge/Allsport

Gil de Ferran comemora o bicampeonato da Fórmula Indy em Surfers Paradise, na Austrália, em 2001 — Foto: Robert Laberge/Allsport

Fora das pistas, arriscou-se em alguns cargos administrativos. De 2005 a 2007, foi diretor esportivo da BAR/Honda na Fórmula 1. Em 2008, montou sua equipe na antiga American Le Mans Series (ALMS), a De Ferran Motorsports, e voltou brevemente a correr ao lado do francês Simon Pagenaud. Após parar de vez com as pistas, levou a estrutura para a Indy, onde formou a Ferran Dragon Racing como sócio de Jay Penske, filho de Roger Penske. O time durou duas temporadas, até ser encerrado por falta de investimentos. Em 2018, Gil foi diretor esportivo da McLaren na F1. Em agosto de 2019, passou a cuidar do projeto da McLaren na Fórmula Indy, deixando o cargo no início de 2021. Entre uma das funções, cuidou das duas participações do espanhol Fernando Alonso – de quem virou amigo próximo – na Indy 500. E em 2023, voltou à equipe como consultor.

Gil de Ferran comemora a vitória nas 500 Milhas de Indianápolis em 2003 com o troféu e a coroa de louros — Foto: Robert Laberge/Allsport

Gil de Ferran comemora a vitória nas 500 Milhas de Indianápolis em 2003 com o troféu e a coroa de louros — Foto: Robert Laberge/Allsport

Nesta sexta-feira, aos 56 anos recém completados em 11 de novembro, Gil de Ferran estava ao lado do filho Luke no The Concours Club, um circuito privado em Opa-Locka, na Flórida, quando se sentiu mal e parou na entrada dos boxes. Foi levado para o hospital, mas infelizmente não resistiu a uma parada cardíaca. Um dos maiores pilotos da história do automobilismo brasileiro (e mundial, porque não), Gil deixa uma geração de fãs órfã com sua partida precoce. A notícia de sua morte provocou uma enorme consternação na comunidade do automobilismo. Ele era um daqueles caras extremamente respeitados por sua competência – talvez o piloto que mais sabia de engenharia no Brasil – mas também por sua doçura e simpatia ao atender todos os que o abordavam.

Gil de Ferran foi chamado pela McLaren para assumir o cargo de diretor esportivo em 2018 — Foto: Charles Coates/Getty Images

Gil de Ferran foi chamado pela McLaren para assumir o cargo de diretor esportivo em 2018 — Foto: Charles Coates/Getty Images

Gil de Ferran, sem dúvidas, partiu cedo demais. E vai fazer muita falta ao automobilismo brasileiro e internacional. Mas sobretudo vai deixar muitas saudades em seus fãs. Inclusive aqueles que torceram muito por ele nos anos 1990, naquelas saudosas corridas da Fórmula Indy à tarde.

Godspeed, Gil de Ferran.

Gil de Ferran comemora a vitória nas 500 Milhas de Indianápolis em 2003 — Foto: Robert Laberge/Getty Images

Gil de Ferran comemora a vitória nas 500 Milhas de Indianápolis em 2003 — Foto: Robert Laberge/Getty Images

FonteGE