Fábio Trad defende pacote anticrime mais eficiente e alinhado à Constituição Federal

Segundo titular do grupo de trabalho, reunião com especialistas provou que Projeto de Lei do ministro Sérgio Moro tem retrocessos que precisam ser revistos

O grupo de trabalho que analisa o pacote anticrime e anticorrupção (PL 882/19) proposto pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro; e os PLs 10372/18 e 10373/18, do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, realizaram nesta terça-feira (23), na Câmara dos Deputados, a segunda audiência pública para debater os projetos.
Grande parte dos parlamentares e especialistas convidados criticou a lógica repressivo-punitiva que, segundo eles, norteia a matéria.
Integrante titular do colegiado e mestre em Direito Penal, deputado Fábio Trad, destacou também a afronta ao princípio constitucional da soberania dos vereditos, que sujeita os réus a novo julgamento (art. 593, III, do Código de Processo Penal) quando se tratar de decisão manifestamente contrária à prova dos autos, e os dispositivos do pacote anticrime que limitam recursos processuais, como o que impõe limitações aos embargos infringentes (recurso cabível contra acórdão não unânime) e o que acaba com o efeito suspensivo do recurso da pronúncia (decisão que determina o julgamento por júri popular).
Para o parlamentar, a criação de mecanismos de celeridade na tramitação dos procedimentos criminais pode reduzir o sentimento de impunidade criado pela demora na condenação dos réus. “Existe uma cláusula pétrea que garante não haver prisão antes do trânsito em julgado, ou seja, antes de esgotado o processo na justiça. Ser uma cláusula pétrea significa que não se pode modificar este princípio sem que haja mudanças na legislação e não se deve mudar legislação em nome de um problema operacional. Sugiro, isso sim, que abrevie-se o número de recursos no novo Código Penal”, acrescentou.
Trad indagou um dos convidados, o advogado e doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo Alberto Zacharias Toron, sobre os perigos do superencarceramento que pode ser gerado a partir da lógica repressivo-punitivista do pacote anticrime.
O doutor Toron concordou e salientou que aumentar o tempo de prisão e limitar as possibilidades de liberdade condicional não contribuirão para a redução da criminalidade no País e ainda poderá fragilizar direitos e garantias individuais do cidadão.
“Essa lógica da intimidação geral, da eficácia repressiva, é muito boa para vender livro e se eleger, mas, concretamente, o aumento nominal das penas, por si só, desacompanhado de outras instâncias, como investimento em educação, esporte, na área social, em medidas de ressocialização, não tem eficácia, não funciona”, disse.
Professora de Direito Penal e Criminologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Luciana Boiteux disse que o encarceramento como meta contribui para o fortalecimento de organizações criminosas nos presídios.
“Quem vai para a cadeia é o pequeno traficante. Isso não impacta o tráfico nem as organizações criminosas”, declarou ela, ao lembrar que o tráfico de drogas é considerado crime hediondo desde 1988. “Não há evidências que comprovem relação entre o aumento de pena e a redução da criminalidade. Mesmo nos Estados Unidos o aumento das punições está sendo reavaliado, porque tem custo alto e não atende às expectativas”.
Para a professora, falta investigação para se chegar aos grandes traficantes. “A legislação vigente não diferencia claramente usuários e traficantes.”
Outro tema do pacote que mereceu muitas críticas dos especialistas foi a possibilidade de ampliação do chamado “instituto da legítima defesa”.
“Ampliar o conceito de legítima defesa para abrigar situações de medo e violenta emoção é dar uma espécie de carta branca para que se possa matar”, argumentou o professor Toron.
Sobre esse ponto, o pacote anticrime estabelece que o juiz poderá reduzir a pena até a metade ou mesmo deixar de aplicá-la se o homicídio acontecer por conta de “medo, surpresa ou violenta emoção do autor”. Enquadra-se nessa atenuante, segundo o texto, o ato do policial que pretenda prevenir agressões, mesmo que o crime ou delito ainda não tenha sequer ocorrido.
Durante a audiência, foi citado o exemplo do caso do músico e segurança Evaldo dos Santos Rosa, de 51 anos, que, juntamente com sua família, foi assassinado por integrantes do Exército Brasileiro. Ele, o filho de 7 anos, a esposa e uma amiga iam para um chá de bebê na comunidade Guadalupe, zona Norte do Rio de Janeiro, quando teve seu carro alvejado por 80 tiros.
O deputado Fábio Trad também indagou o presidente da Federação Nacional Sindical dos Servidores Penitenciários (Fenaspen), Fernando Ferreira Anunciação, sobre as razões do alto número de egressos no sistema penitenciário.
“O deputado tem razão. Os números são alarmantes. Mas é preciso investir na polícia, nos agentes penitenciários e nas penitenciárias. Com o perdão da palavra, mas como um homem ou mulher se recuperam naquele “lixo” de lugar para posteriormente serem reintegrados à sociedade? E quando sai da prisão não arruma emprego e volta a praticar delitos. Aí tanto a taxa de reincidência como a de evasão serão sempre altas mesmo, infelizmente”.
Estímulo à violência
Para o deputado Fábio Trad, o Brasil padece também da cultura do medo, estimulada em grande parte pela mídia de massa que divulga cotidianamente e, por consequência, estimula a violência.
“Nunca vi na mídia programas sobre paz, tolerância, solidariedade, amor, amizade, apenas sobre violência, criminalidade. A mídia tem, sim, sua parcela de responsabilidade na difusão da sensação de medo da população. Porque o medo é que demanda por maior repressão. O cidadão chega em casa e só vê crimes e impunidade, sua reação natural é se defender e pedir mais repressão”
A criminalista e doutora Boiteux não só concordou com o deputado como citou o exemplo do Uruguai, que há alguns anos atrás sofria com o avanço de 70% no número de homicídio. Dois anos após o lançamento de um pacote de 15 medidas, do presidente José Mujica, as mortes ligadas ao tráfico de drogas foram zeradas no país.
Entre as ações, a proibição da exibição de programas policiais sensacionalistas entre 6 horas e 22 horas.
“Isso não é censura, mas adequação de horário aos perfis etários de audiência, a quem está preparado para assistir aquele tipo de conteúdo, atrações televisivas que promovem atitudes ou condutas violentas e discriminatórias”.
FonteAssessoria Deputado Federal Fábio Trad/ Daniel Machado