Exército deseja voltar a usar mandados coletivos para operações no Rio

O Exército deseja ressuscitar uma prática que já foi muito contestada por especialistas da área de segurança e por juristas – e usada na Maré à época da Garantia da Lei e da Ordem (GLO): a expedição de mandados coletivos. Segundo o coronel Carlos Cinelli, porta-voz do Comando Militar do Leste (CML), os agora chamados ‘mandados por região teriam como objetivo impedir que traficantes invadam residências de moradores de comunidades durante operações das forças de segurança:

– Atualmente nós apenas cumprimos mandados individuais, porém isso é um pleito que está sendo discutido nos foros apropriados desde o início da intervenção, cabendo ao Poder Judiciário decidir sobre isso – explica Cinelli.

O porta-voz citou um caso ocorrido há três semanas no Morro do Barão, na Praça Seca, na Zona Oeste do Rio. Durante uma operação envolvendo militares das Forças Armadas, um traficante entrou na casa de uma mulher que tem um filho portador de Síndrome de Down.

— Uma senhora ficou com um criminoso na sua casa por três dias seguidos. Ele fazia refeições, usava as instalações da residência e dizia que se ela o denunciasse ia ser morta. A criança especial começou a se sentir incomodada. Não conseguia se controlar e chorava muito. O criminoso, inclusive, ameaçou matar a criança. É um grau de barbaridade com o qual os moradores sofrem muito — afirmou Cinelli.

Em fevereiro, após diversas críticas de especialistas sobre o possível uso de mandados coletivos durante a intervenção federal, o ministro da Justiça afirmou que o governo federal havia desistido de adotar os mandados coletivos de prisão e de busca e apreensão durante o período de intervenção. Na ocasião, ele afirmou que os mandados de busca e apreensão trariam nomes e endereços dos alvos. O ministro, porém, informou que, dadas as singularidades das áreas de conflito, os pedidos de tais mandados deveriam conter vários nomes e múltiplos endereços.

Para porta-voz do CML, no entanto, a expedição de mandados por região seria importante especialmente para impedir que esse tipo de crime aconteça.

– Nós temos repetido que seria muito interessante se houvesse a possibilidade de obtermos mandados de prisão e de busca e apreensão por região, que foram denominadas no passado de mandados coletivos. A terminologia se tornou pejorativa. Mas isso seria para nós uma possibilidade de melhora na eficácia das ações, pois nós temos identificado hoje em dia que os efetivos entram, os confrontos não acontecem e os criminosos fogem pelas florestas e pelos entornos. Nós bloqueamos as saídas para diminuir a evasão, mas eles se infiltram nas casas dos moradores, que são achacados, tiranizados para que dêem guarida a esses criminosos – disse ele, que concluiu:

– Com mandados por região, considerando a urbanização caótica de algumas comunidades, nós poderemos prender quem for visto em flagrante entrando numa residência. Coisa que nós só podemos fazer hoje com a aquiescência do morador. É claro que a Constituição determina isso. Mas esse conceito de mandado por região poderia contribuir muito para que a gente pudesse melhorar essas apreensões – disse.

Segundo ele, o interventor federal, general Braga Netto, está discutindo a questão com autoridades judiciárias. Questionado sobre o fato de os mandados coletivos já terem sido contestados num passado recente, Cinelli chegou a citar a 4ª emenda da Constituição Americana para justificar a expedição de mandados por região:

– Isso realmente já foi contestado no passado, mas foi por uma interpretação literal de cenários diferenciados. O espírito do mandado individual,. como nós o conhecemos hoje, nasceu lá. Ele remonta à 4ª emenda da Constituição Americana. Durante a Revolução Americana os ingleses tinham o hábito de entrar nas casas de qualquer maneira e prender pessoas. Então, quando a Constituição americana entrou em vigor, só se podia expedir mandados individuais com uma causa provável e determinada. Não pode ser genérico, tem que ter causa provável e ostensividade criminosa naquela região. Embora nós saibamos que em caso de flagrante é possível entrar na casa de um morador sem mandado, a configuração das comunidades muitas vezes dificulta identificar se aquele endereço onde ele entrou efetivamente existe apenas uma residência ou se existem outras ligadas. E ele usa isso para ficar homiziado (foragido) naquela casa. Então o mandado por região permitiria que se vasculhasse outras residências além daquela em que supostamente ele entrou. Esse é apenas um exemplo da aplicação de um mandado por região.

Carlos Cinelli contou que na megaoperação desta quarta-feira quatro pessoas foram presas. Ele, no entanto, não soube dizer o motivo das prisões nem em quais locais aconteceram. Cinelli também disse que um carro foi recuperado.

ESPECIALISTA CHAMA INICIATIVA DE INCONSTITUCIONAL

Presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB-RJ, Breno Melarageno entende que a iniciativa do Exército é inconstitucional. Mas lembra que em situações de flagrante delito, agentes de segurança podem entrar na residência de famílias sem mandado de busca e apreensão ou de prisão.

– Juridicamente, por conta da Constituição, é equivocada (a iniciativa). A Constituição garante a inviolabilidade do lar, permitindo a quebra desse preceito somente de maneira específica, através de mandado judicial. É necessário ter endereço determinado. Mas se o agente de segurança presenciar um criminoso entrando em alguma casa ele pode entrar também. Isso configura uma situação de flagrante delito – comentou Melarageno.

Fonte O Globo