Coincidentemente, a mãe de Henri conhecia o cônsul português desde a época em que viviam em Antuérpia, onde ela era secretária no Consulado britânico.
A família Dyner já havia tentado e não conseguiu obter vistos das autoridades americanas, britânicas e canadenses para deixar a França. Antes de seu colapso, Sousa Mendes os colocou em uma lista em um pedido enviado ao governo de Salazar.
“Minha mãe lembra que ele desapareceu por alguns dias e, quando voltou, seu cabelo estava grisalho”, diz Henri Dyner, que lembra filas de refugiados do lado de fora do consulado em Bordeaux e acampando em praças.
“Minha mãe começou a trabalhar para Sousa Mendes naqueles dias, ajudando com esse tipo de linha de produção de vistos em uma longa mesa. Sousa Mendes salvou nossas vidas.”
Ninguém sabe ao certo quantos vistos de trânsito foram emitidos, permitindo que os refugiados passassem da França para a Espanha e viajassem para Portugal. Mas as estimativas variam entre 10 mil e 30 mil, e a maioria acabou atravessando o Atlântico rumo aos Estados Unidos.
A Fundação Sousa Mendes, com sede nos EUA, identificou cerca de 3,8 mil beneficiários desses vistos.
Como se estivesse possuído por uma missão, o cônsul chegou a assinar vistos em trânsito, enquanto multidões em Bordeaux começavam a marchar em direção ao sul, para a cidade fronteiriça de Hendaye. Ele parou no Consulado em Bayonne para emitir mais documentos.
O Ministério das Relações Exteriores de Lisboa começou a enviar cabogramas (telegramas enviados por cabos submarinos) para Bordeaux, ordenando que Sousa Mendes parasse, em meio a relatos de colegas de que ele havia “perdido o juízo”.
Quando as autoridades espanholas começaram a considerar seus vistos inválidos, milhares já haviam atravessado o rio Bidasoa na região basca da Espanha.
Eventualmente, Sousa Mendes se reportou a seus chefes em Lisboa no dia 8 de julho.
Entre os que escaparam da França ocupada graças a seus vistos estavam o artista surrealista Salvador Dalí, o cineasta King Vidor, membros da família de banqueiros Rothschild e a maioria do futuro governo exilado da Bélgica.
O país de Salazar mais tarde seria elogiado por seu papel em permitir que os refugiados escapassem da ocupação e repressão nazistas, mas Sousa Mendes acabou expulso do corpo diplomático e perdeu sua aposentadoria.
A casa de sua família em Cabanas de Viriato acabou desmoronando e nunca foi reerguida.
“Sousa Mendes foi maltratado por Salazar. Ele morreu na miséria como um pobre e seus filhos emigraram para tentar encontrar um futuro melhor em outro lugar”, diz Henri Dyner.
A família de Henri acabou no Brasil, antes de se mudar para os EUA por questões profissionais. Mas ele se lembra de um homem que teve coragem em suas convicções.
“Do jeito que as coisas estão no mundo hoje, precisamos de mais pessoas preparadas para defender o que é certo e tomar uma posição”.
Quem foi Aristides de Sousa Mendes?
- 1885: Nascido em uma família portuguesa próspera. Ele era um “bon vivant” extrovertido e tinha 15 filhos, diz o neto Gerald Mendes
- 1910: Ingressa na carreira consular, no início, atuou em Zanzibar, Brasil, Espanha, Estados Unidos e Bélgica
- 1919: A serviço do governo português no Brasil, Sousa Mendes é suspenso por dois anos por comportamento “anti-republicano”
- 1938: Torna-se cônsul em Bordeaux, na França
- 1940: Em junho, concede vistos indiscriminadamente. É chamado a Lisboa e afastado de suas funções pelo período de um ano, com metade dos vencimentos. No fim deste ano, Salazar forçou sua aposentadoria, sem pensão. Isso “condenou-o a viver o resto de sua vida na mais absoluta miséria”, diz seu neto. Sousa Mendes sobrevive graças a um sopão gerenciado pela comunidade judaica de Lisboa
- 1954: Morre na obscuridade, considerado uma pária aos olhos do governo de Portugal
- 1966: Yad Vashem o reconhece como Justo entre as Nações
- 1988: O parlamento português retira postumamente as acusações disciplinares contra ele.