Atendendo a uma demanda dos manifestantes que ocupam as ruas de Hong Kong desde junho, a chefe do Executivo local, Carrie Lam , anunciou nesta quarta-feira o cancelamento da lei que permitiria extradições para a China continental, medida que deu origem aos protestos na região administrativa especial chinesa. O aceno de Lam, entretanto, não deverá ser suficiente para satisfazer os opositores, que mantêm outras quatro reivindicações, incluindo a de eleições diretas para o comando da cidade.
Anunciado por Lam no início de junho, com o pretexto imediato de resolver a situação legal de um cidadão de Hong Kong que havia matado a namorada em Taiwan e fugido de volta para a cidade, o projeto de lei foi visto pelos manifestantes como um desafio à autonomia política, jurídica e administrativa da cidade em relação a Pequim — no modelo conhecido como “um país, dois sistemas” , estabelecido quando Hong Kong foi devolvida à China pelos britânicos, em 1997.
No dia 15 do mesmo mês, conforme os protestos tornavam-se cada vez mais violentos, a chefe do Executivo chegou a anunciar a suspensão da tramitação da medida no Legislativo local, mas os manifestantes afirmaram que só ficariam satisfeitos com seu cancelamento. Desde então, os confrontos entre manifestantes e a polícia local tornaram-se comuns. Mais de 900 pessoas foram detidas.
Com o agravamento da crise política e dos desafios à soberania chinesa no território, os protestos ganharam quatro novas demandas: uma investigação independente sobre a violência policial, a anistia de todos os detidos durante as manifestações, que os atos não sejam designados como “rebelião” (o que, pela lei local, deixaria os condenados sujeitos a até 10 anos de prisão) e eleições diretas para o chefe do Executivo, atualmente escolhido por uma comissão de 1.200 pessoas majoritariamente favoráveis à Pequim.
No comunicado pré-gravado desta quarta-feira, Lam anunciou também a criação de uma plataforma para investigar as principais causas da revolta dos manifestantes e sugerir soluções futuras. O grupo terá como modelo o Conselho Independente para Reclamações Policiais. É esperado, segundo o Financial Times, que ao menos um especialista britânico participe da plataforma.
A bolsa de Hong Kong, um importante hub financeiro global que vinha registrando grandes perdas em meio à incerteza gerada pelos protestos, registrou em seu índice Hang Seng alta de quase 4%, a maior em 10 meses.
Desde que a crise política em Hong Kong tornou-se o maior desafio interno à autoridade de Pequim desde o Massacre da Praça da Paz Celestial, em 1989, o governo chinês vem endurecendo sua retoria em relação aos manifestantes, e chegou a classificar alguns deles como “terroristas”. Pequim também vem alertando para o impacto do movimento de oposição na economia da ex-colônia e ameaçando empresas que não sejam suficientemente pró-Pequim. A Cathay Pacific, principal companhia aérea de Hong Kong, tem sido uma das mais afetadas.
A agência reguladora da aviação chinesa proibiu que tripulantes da companhia que tivessem participado dos protestos sobrevoassem o território da China continental. Bancos estatais chineses rebaixaram as ações da empresa, que já demitiu ao menos 20 funcionários devido às pressões. Nesta quarta-feira, o presidente da Cathay, John Slosar, anunciou sua renúncia, seguindo os passos do CEO Rupert Hogg, que se demitiu no mês passado.
Fala de Lam
Na segunda-feira, a agência Reuters divulgou uma gravação de uma fala de Lam a empresários, feita durante uma reunião fechada , na qual ela disse que se demitiria se pudesse e que se via de mãos atadas ao ter que, constitucionalmente, servir a dois senhores: Pequim e o povo de Hong Kong.
Na fala aos empresários, Lam sugeriu que Pequim ainda não havia chegado a seu ponto de virada em relação aos protestos em Hong Kong. Segundo Lam, o governo chinês não tem “absolutamente plano nenhum” para utilizar o Exército Popular da Libertação nas ruas de Hong Kong, pois sabe do impacto que isso poderá ter para sua reputação global:
— Eles sabem que seria um preço muito alto a pagar — disse a chefe do Executivo. — A China precisou de muito tempo para construir esse tipo de perfil internacional e para ter voz, não apenas como uma grande economia, mas uma grande economia responsável. Abrir mão desses fatores positivos não está na agenda deles.