Após três meses de protestos, líder de Hong Kong anuncia cancelamento da lei de extradição

Medida era uma das cinco demandas dos manifestantes que ocupam as ruas da cidade desde junho

Foto: ANTHONY WALLACE / AFP

Atendendo a uma demanda dos manifestantes que ocupam as ruas de Hong Kong desde junho, a chefe do Executivo local, Carrie Lam , anunciou nesta quarta-feira o cancelamento da lei que permitiria extradições para a China continental, medida que deu origem aos protestos na região administrativa especial chinesa. O aceno de Lam, entretanto, não deverá ser suficiente para satisfazer os opositores, que mantêm outras quatro reivindicações, incluindo a de eleições diretas para o comando da cidade.

Anunciado por Lam no início de junho, com o pretexto imediato de resolver a situação legal de um cidadão de Hong Kong que havia matado a namorada em Taiwan e fugido de volta para a cidade, o projeto de lei foi visto pelos manifestantes como um desafio à autonomia política, jurídica e administrativa da cidade em relação a Pequim — no modelo conhecido como “um país, dois sistemas” , estabelecido quando Hong Kong foi devolvida à China pelos britânicos, em 1997.

No dia 15 do mesmo mês, conforme os protestos tornavam-se cada vez mais violentos, a chefe do Executivo chegou a anunciar a suspensão da tramitação da medida no Legislativo local, mas os manifestantes afirmaram que só ficariam satisfeitos com seu cancelamento. Desde então, os confrontos entre manifestantes e a polícia local tornaram-se comuns. Mais de 900 pessoas foram detidas.

Com o agravamento da crise política e dos desafios à soberania chinesa no território, os protestos ganharam quatro novas demandas: uma investigação independente sobre a violência policial, a anistia de todos os detidos durante as manifestações, que os atos não sejam designados como “rebelião” (o que, pela lei local, deixaria os condenados sujeitos a até 10 anos de prisão) e eleições diretas para o chefe do Executivo, atualmente escolhido por uma comissão de 1.200 pessoas majoritariamente favoráveis à Pequim.

No comunicado pré-gravado desta quarta-feira, Lam anunciou também a criação de uma plataforma para investigar as principais causas da revolta dos manifestantes e sugerir soluções futuras. O grupo terá como modelo o Conselho Independente para Reclamações Policiais. É esperado, segundo o Financial Times, que ao menos um especialista britânico participe da plataforma.

A bolsa de Hong Kong, um importante hub financeiro global que vinha registrando grandes perdas em meio à incerteza gerada pelos protestos, registrou em seu índice Hang Seng alta de quase 4%, a maior em 10 meses.

Desde que a crise política em Hong Kong tornou-se o maior desafio interno à autoridade de Pequim desde o Massacre da Praça da Paz Celestial, em 1989, o governo chinês vem endurecendo sua retoria em relação aos manifestantes, e chegou a classificar alguns deles como “terroristas”. Pequim também vem alertando para o impacto do movimento de oposição na economia da ex-colônia e ameaçando empresas que não sejam suficientemente pró-Pequim. A Cathay Pacific, principal companhia aérea de Hong Kong, tem sido uma das mais afetadas.

A agência reguladora da aviação chinesa proibiu que tripulantes da companhia que tivessem participado dos protestos sobrevoassem o território da China continental. Bancos estatais chineses rebaixaram as ações da empresa, que já demitiu ao menos 20 funcionários devido às pressões. Nesta quarta-feira, o presidente da Cathay, John Slosar, anunciou sua renúncia, seguindo os passos do CEO Rupert Hogg, que se demitiu no mês passado.

Fala de Lam

Na segunda-feira, a agência Reuters divulgou uma gravação de uma fala de Lam a empresários, feita durante uma reunião fechada , na qual ela disse que se demitiria se pudesse e que se via de mãos atadas ao ter que, constitucionalmente, servir a dois senhores: Pequim e o povo de Hong Kong.

Na fala aos empresários, Lam sugeriu que Pequim ainda não havia chegado a seu ponto de virada em relação aos protestos em Hong Kong. Segundo Lam, o governo chinês não tem “absolutamente plano nenhum” para utilizar o Exército Popular da Libertação nas ruas de Hong Kong, pois sabe do impacto que isso poderá ter para sua reputação global:

— Eles sabem que seria um preço muito alto a pagar — disse a chefe do Executivo. — A China precisou de muito tempo para construir esse tipo de perfil internacional e para ter voz, não apenas como uma grande economia, mas uma grande economia responsável. Abrir mão desses fatores positivos não está na agenda deles.

FonteO Globo