Aos 32 anos, goleiro se vê no auge da carreira, sonha com terceira Copa do Mundo e opina sobre desempenho em cobranças de pênaltis: “Eu sei o peso e a responsabilidade que carrego”
Por Bruno Cassucci, Felipe Brisolla e Ivan Raupp — Guayaquil, Equador
Com a experiência de quem foi titular do Brasil em duas Copas do Mundo e acaba de conquistar o Campeonato Inglês pela segunda vez, Alisson é sincero ao fazer uma autocrítica do passado e presente da carreira. Ao mesmo tempo em que se vê no auge aos 32 anos, também aceita críticas e se diz frustrado com o retrospecto em cobranças de pênaltis (especialmente com a Seleção).
– Eu sei o peso e a responsabilidade que eu carrego – disse o goleiro, em entrevista ao ge.
– Esse é o preço que nós temos que pagar por ter o privilégio de vestir a camisa da Seleção – completou.
Em mais de meia hora de conversa, Alisson falou sobre o bom momento vivido, os planos de jogar por mais alguns anos e os impactos provocados pelo técnico Carlo Ancelotti logo em sua chegada à Seleção. Para o goleiro, o italiano tem uma característica fundamental para quem comanda o Brasil: ter as costas largas para suportar a pressão e blindar o grupo.
– Ele é uma pessoa que quando entra no ambiente é notado, né? O fato da presença dele ali no dia a dia já é algo que gera uma mudança – opinou.
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Goleiro Alisson, do Liverpool e da Seleção, em entrevista exclusiva ao ge — Foto: Bruno Cassucci
Confira abaixo a entrevista exclusiva com Alisson:
É raro ver um goleiro brasileiro construir uma carreira tão sólida e duradoura em um clube da Europa como a sua no Liverpool. A que atribui isso?
– Eu acho que eu nunca tinha parado para pensar nesse sentido, né? Mas se eu for falar agora de uma maneira básica, é por causa do trabalho, dedicação. Eu procuro demonstrar em tudo que eu faço total dedicação, profissionalismo, trabalhar forte no dia a dia. E eu acredito que seja a combinação dessas coisas com conquistas. Eu acho que isso marca a carreira de um jogador. As conquistas vão consolidar a carreira de um jogador e colocá-lo num patamar diferente por causa das conquistas. E eu participei de um grupo vencedor. Estou participando de grupos vencedores no decorrer dos anos.
– Claro, individualmente tenho méritos nisso também, mas acredito que o meu grande mérito foi escolher ir para o Liverpool. Não foi só uma escolha baseada em financeiro, não foi só uma coisa “ah, quero jogar na Premier League”. Foi uma escolha muito profissional mesmo, de ir para um clube estável, um clube muito bem organizado, com um grande treinador que era o Klopp. E acho que isso fez parte também de um porquê isso está dando certo individualmente para mim, na minha carreira. Então não é só aquilo que eu faço, mas é uma combinação de tudo um pouco. Mas pro meu lado é que eu procuro fazer tudo com muita dedicação. E isso inclui várias coisas, né? Abrir mão daquilo que tem que abrir mão, ser profissional, trabalhar forte. Lá eu estou num alto nível máximo, né? Jogando com o Salah, com o Van Dijk, vários jogadores que estão em alto nível ali, então eu tenho que andar no mesmo ritmo deles.
– Pode ser, pode ser. Todos que falam do mister Ancelotti e todas as pessoas com quem eu conversei que trabalharam com ele falam desse lado dele, dessa liderança dele, uma liderança positiva, uma liderança muito calma, muito controlada. E eu acho que isso não é uma coisa que se cria, né? É uma coisa que faz parte da personalidade. E pode ser que se tenha características, né? Mas eu gosto de alguma maneira influenciar as pessoas. E dentro de campo também, eu acho que é importante. No momento que o jogador comete um erro, a gente sabe que ele não está fazendo aquilo ali de propósito. Então, o que ele precisa é ser levantado, né? Então, acho que a gente tem que ter inteligência de saber o momento certo de, daqui a pouco, criticar um pouco mais duro, né? Mas, principalmente, também estender a mão. Porque todos ali estão dentro de campo com o mesmo objetivo. E eu acho que aqui também, na seleção, é dessa mesma maneira. Então, eu espero que isso tanto mister quanto eu, que a gente possa sempre acrescentar e fazer o melhor para que o resultado aconteça.
– Com certeza, acho que uma pessoa como ele, tudo que ele carrega, é uma pessoa que quando ele entra no ambiente ele é notado, né? A presença dele ali no dia a dia já é algo que gera uma mudança. Isso não tem a ver com os outros, tem a ver com ele, com as conquistas dele, com a carreira que ele construiu, multicampeão, ganhou todas as competições que disputou praticamente. E isso carrega um peso dentro do futebol. É uma pessoa respeitadíssima no mundo inteiro. E eu acho que esse mesmo sentimento que vocês têm de fora é um sentimento também que nós temos aqui dentro. E é uma honra para todos nós aqui, é um privilégio poder ter a oportunidade de trabalhar com o Ancelotti.
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Goleiro ALisson em treino da seleção brasileira — Foto: Rafael Ribeiro / CBF
– Eu acredito que sim. Na função do técnico da seleção brasileira precisa ter as costas largas. É um cargo muito pesado. Acho que no Brasil se demanda mais do treinador da seleção brasileira do que do presidente da república. Isso por causa da paixão, do amor que nós temos pelo futebol, pela vontade de ver a seleção brilhar novamente. Então, acredito que tudo aquilo que o mister é, ele vai acrescentar valor aqui dentro da gente, seja protegendo a gente, seja instruindo no dia-a-dia. Ele nos traz uma expectativa muito boa em relação ao futuro, mas sabendo que temos que trabalhar, continuar trabalhando muito forte, que não tem nada que vai nos levar pra frente a não ser o trabalho.
E ele só está aqui porque algumas coisas não deram certo nesse ciclo. Na última partida, contra a Argentina, você viu de fora, não pôde jogar após sofrer um trauma na cabeça no jogo contra a Colômbia. Como foi para você aquele momento?
– Acho que a gente já estava sofrendo bastante por causa do momento, buscando uma sequência de vitórias para trazer uma estabilidade no momento que não era tão bom, no momento ruim da seleção, para aquilo que nós somos acostumados. Em outros ciclos de Copa do Mundo foi tudo muito mais estável, com sequência de vitórias, garantindo a classificação antecipadamente, e aí trazendo para agora, para esse momento que nós vivemos, pe um momento muito difícil. Aí tu vai, joga contra a Colômbia, vence um jogo muito difícil, muito duro, e aí se cria uma expectativa de que ali sim a gente vai começar a ter um pouco mais de estabilidade e a gente logo joga contra a Argentina fora de casa, que é um jogo extremamente difícil por si só. Não lembro a última vez que o Brasil venceu fora de casa contra a Argentina, mesmo nas duas últimas campanhas ótimas de Eliminatórias a gente não venceu lá. Então a gente sabia que ir pra lá ia ser difícil, mas sempre se vai buscando a vitória. Mas perder da maneira como perdeu, sendo dominado, isso aí machuca muito, né? Algo que nos entristece. E também o sentimento de impotência, de querer estar lá, de ajudar de alguma maneira. E ver os meus companheiros lá, passando por aquilo…. Mas isso faz parte do futebol. Hoje a gente tem que olhar para essas coisas como aprendizado. Um jogo não deve ter uma importância maior do que se tem. É um jogo importante, é uma partida importante, mas não se deve exagerar nesse sentido, passar da linha. A gente tem que usar aquele jogo como aprendizado. E melhorar e trabalhar, cara. Trabalhar forte.
Como você lida com a derrota e as frustrações na sua carreira?
– Eu acho que eu mais perdi do que ganhei. Vamos dar um exemplo, a Premier League: eu joguei seis temporadas, ganhei duas, então mais perdi do que venci. O atleta tem que lidar com essa questão da frustração. E claro que o vencedor vai ficar marcado pelos momentos em que ele está lá levantando o troféu. A coisa mais bonita é isso no esporte. Mas nós somos vencedores porque a gente aprende também que faz parte perder, mas a gente não se conforma com isso. Não, o vencedor é aquele que supera esse momento aí da derrota e de alguma maneira ele consegue chegar no seu objetivo que é ganhar. Eu acredito sim que a minha fé me ajuda a lidar com tudo isso e primeiro A maneira que um cristão vive é com Deus no centro de tudo, de toda a vida. Eu sei que o fim da minha vida especificamente não é vencer um troféu. O fim da minha vida é glorificar a Deus em tudo que eu faço. E nós glorificamos a Deus no momento de dificuldade também. Talvez principalmente no momento de dificuldade.
– E eu acredito que as derrotas vão nos forjar, vão nos fortalecer os momentos de dificuldades, né? Vão trazer para a nossa vida comum os desafios do dia a dia? A realidade da vida é essa, a realidade da vida não é o momento da pessoa levantando o troféu, a realidade da vida é sacrifício. As pessoas acordam 5 da manhã pra pegar o ônibus lotado, dificuldade pra se locomover, essa é a realidade da vida. Então o vencedor é esse que consegue enxergar qual é o seu propósito maior de vida, e conseguir viver isso de maneira plena. Então, é isso que eu busco na minha vida.
Ainda falando sobre frustração, recentemente vi você falando sobre o sonho de disputar mais uma Copa do Mundo. Como você lidou com as derrotas contra Bélgica, em 2018, e Croácia, em 2022?
– Futebol é muito dinâmico nesse sentido. Ao mesmo tempo em que a gente às vezes reclama de que as coisas acontecem muito rápido, tem muito jogo e tal, o fato dele ser dinâmico faz com que a gente seja obrigado a deixar as coisas do passado no passado e continuar a viver, senão, não conseguiria. Se eu ficasse parado lá na defesa, no gol do De Bruyne, eu não conseguiria evoluir na minha carreira, jamais, se eu ficasse lamentando.
– Eu tenho esse sonho, eu acho que ele é um sonho de todos nós aqui dentro, de vencer a Copa do Mundo. Esse é o objetivo maior que nós estamos aqui. E, sim, é uma frustração diferente ser eliminado de uma Copa do Mundo do que perder um campeonato pelo clube. Até porque nós sabemos se teremos outra oportunidade de jogar uma outra Copa do Mundo.
– Eu estou tendo esse privilégio de poder ter disputado duas Copas do Mundo. E se encaminhando, se tudo der certo, para a terceira. E eu sei o peso e a responsabilidade que eu carrego. E eu tenho essa consciência dentro de mim que eu preciso fazer sempre o meu melhor. E que a cobrança vai ser sempre grande, principalmente nas derrotas. Eu tenho essa consciência e eu creio que faz parte, mais uma vez, de ser o goleiro da Seleção ou ser o jogador que veste a camisa da seleção brasileira. Como eu falei do cargo de treinador da seleção brasileira, esse é o preço que nós temos que pagar por ter o privilégio de vestir a camisa da Seleção. Então eu procuro olhar por esse lado, por ter o privilégio de estar lá, de estar disputando a Copa do Mundo. Quando a gente entra, a gente entra para ganhar, mas uma conquista é multifatorial. Ela depende de vários fatores, inclusive do goleiro. Mas, infelizmente, nas últimas duas Copas a gente não conseguiu, como equipe, e individualmente para mim nas penalidades não fui bem sucedido. Isso me incomoda, me frustra, talvez me incomoda mais do que qualquer crítico que se tenha no Brasil. Incomoda mais a mim do que qualquer outra pessoa. mas isso não vai me paralisar, isso não vai me fazer desistir, não vai me gerar nada que não vai me fazer tentar outra vez. Então é por isso que nós estamos aqui, é por isso que a gente trabalha todo dia para que no momento que a gente chegue na Copa do Mundo, a gente esteja no melhor momento das nossas carreiras, no melhor momento das nossas vidas para poder trazer essa conquista.
Você falou que se cobra mais do que qualquer um que fala de fora. E boa parte das avaliações que vejo são de que você é um grande goleiro, tem muito talento jogando com os pés, mas muito se cobra do seu desempenho em pênaltis. Como você vê esse tipo de comentário e, hoje, aos 32 anos, você ainda tenta evoluir nesse aspecto?
– Com certeza. Em certo aspecto eu concordo e dou razão, principalmente aqui dentro da seleção. Mas se a gente for olhar, nós tivemos três disputas de pênalti aqui dentro. Uma foi na Copa América de 2019 contra o Paraguai. Eu fiz uma defesa e a gente seguiu adiante, conquistamos o título. Acho que uma das cobranças foi para fora. Tivemos na Copa (contra a Croácia), perdemos duas penalidades e eu não pude fazer nenhuma defesa. Não fui capaz de fazer nenhuma defesa. E tivemos na Copa América, em que eu fiz uma defesa, mas a gente também não pode seguir adiante. Acho que individualmente, sim, posso melhorar e quero melhorar, mas talvez o melhorar para mim não seja o mesmo melhorar para os críticos, porque eu acho que a crítica vai sempre falar se passou de fase ou não. Se eu pegar um pênalti e passar de fase, eu sou o maior pegador de pênaltis. Mas se eu pegar dois pênaltis e não passar de fase, eu tinha que ter pego três. Então acho que a crítica sempre vai ser muito em cima disso, né? E que está tudo bem, isso não é um problema pra mim.
– Mas o meu melhorar é que eu possa sempre fazer o melhor ali em cada situação, e falando agora das penalidades especificamente, é fazer o melhor pra levar o time sempre adiante. Esse é o meu objetivo e é pra isso que eu vou trabalhar, pra reagir rapidamente o suficiente, pra ser explosivo no momento da cobrança de pênalti, pra fazer a melhor leitura, estudar os batedores, fazer tudo aquilo que está nas minhas mãos. Dentro de campo, o futebol não é previsível. Eu posso estudar os batedores e na hora eles fazerem tudo aquilo diferente do que eu achei. Então eu quero sim melhorar, isso é fato, eu seria burro se eu falasse que não, mas assim como eu quero melhorar todos os outros aspectos. Se olharmos aí os meus números em cobrança de pênaltis, talvez as pessoas vão se surpreender que talvez não é de fato como se tem essa crítica em cima de mim, em relação aos pênaltis, como se tem. Eu sou o maior crítico de mim mesmo, mas eu sou um crítico racional, então eu vou olhar pra mim mesmo, identificar aquilo que eu posso melhorar, aquilo que tá dentro das minhas mãos, e vou fazer com certeza.